2º ano do Ensino Médio
2ª ATIVIDADE
Figura 6: A chegada de Cristóvão Colombo. Óleo sobre tela 365.76 cm x 548.64 cm, 1847.
Algumas palavras são tão comuns em nosso vocabulário, que nos escapa o sentido que atribuímos a elas. Talvez o termo cultura seja um dos mais traiçoeiros; usamos esta palavra tanto para elogiar pessoas, obras de arte ou coisas, como para falar mal delas. Podemos dizer que alguém tem pouca cultura ou, ao contrário, que alguém tem cultura demais. Podemos usar o termo para falar do nosso modo de ser, que nos é evidente, “natural”, mas também para designar os modos e crenças de grupos cujas práticas nos parecem estranhas e exóticas. Nosso objetivo, agora, é perceber que “cultura” pode ser vista como um conceito, uma ideia, uma ferramenta de trabalho para as Ciências Sociais.
Não é necessário ir muito longe para encontrar hábitos e crenças diferentes dos seus. Você pode até não viajar para o Japão, mas pode atravessar a cidade ou viajar para o bairro ao lado e lá estão as diferenças. Pessoas se podem se vestir e se comportar de outra forma, ouvem músicas diferentes ou, mesmo se ouvirem a mesma música, aindapodem dançar de forma diferente. Talvez uma das poucas coisas universais entre os seres humanos, fora algumas características biológicas (como respirar, dormir ou comer), seja essa nossa infinita capacidade de inventar modos de vida distintos; de criar diferenças. Isso nos diferencia dos outros animais não-humanos. Um cachorro possivelmente será o mesmo cachorro, terá um comportamento muito semelhante, independentemente da cidade onde ele nasceu; mas os seres humanos não. Os demais animais estão presos aos seus instintos, a mecanismos hereditários que os fazem repetir comportamentos. Os seres humanos estão presos, como afirmam tantos antropólogos, de tantas formasdiferentes, aos “grilhões da tradição” ou às teias de significados do grupo onde nascemos e que nós re-inventamos todos os dias. Nós nascemos como animais inacabados, incompletos, que nos completamos através da cultura, um mecanismo de controle que regula o nosso comportamento. Para existirmos em um mundo específico, em um determinado universo social, precisamos desse mapa para nos situar. É isso que faz de nós seres humanos. Nós inventamos diferenças, atribuímos um sentido às nossas práticas e podemos ensinar isso aos nossos descendentes.
Inato ou adquirido? Biológico ou cultural?
O conceito de cultura nos ajuda a explicar um aparente paradoxo: apesar da unidade biológica da espécie humana, nós somos marcados por uma quase infinita diversidade cultural.
Ora, é a cultura que nos permite explicar esta questão: o que nos humaniza são nossas diferenças e especificidades, é o mapa que recebemos e transformamos para nos mover no mundo. Como disse o antropólogo Roberto da Matta,
"Cultura" não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de "civilização" mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (...) No sentido antropológico, portanto, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. Ela, como os textos teatrais, não pode prever completamente como iremos nos sentir em cada papel que devemos ou temos necessariamente que desempenhar, mas indica maneiras gerais e exemplos de como pessoas que viveram antes de nós os desempenharam. (Da Matta, 1981: 2-3).
Alteridade e estranhamento: encontro de culturas, choque com o outro
Em termos gerais, sabemos que lidar com o outro não é fácil. Mas imagine que este outro é um extra-terrestre, e que não fazemos a mínima ideia sobre como o grupo no qual ele está inserido compreende o mundo. Não sabemos que idioma eles falam, quais deuses adoram- ou se adoram alguma coisa. Essa deve ter sido a sensação dos europeus ao chegar no “novo mundo”, no que chamaríamos depois de continente americano. Cristóvão Colombo não estava certo sequer se aquilo que ouvia quando os nativos emitiam sons era de fato um idioma ou simplesmente ruídos desconexos e sem sentido (Todorov, 2010). Um encontro tão radical com o outro pode ter uma série de consequências; o que os portugueses, espanhóis e nativos viveram neste encontro de diferenças foi o que podemos chamar de estranhamento como O estranhamento é uma experiência que pode ser definida a perplexidade provocada pelo encontro das culturas que são para nós as mais distantes, e cujo encontro vai levar a uma modificação do olhar que se tinha sobre si mesmo. De fato, presos a uma única cultura, somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. (Laplantine, 2003: 21).
Essa sensação de estranhamento e a experiência da alteridade são necessárias se nos interessamos pela forma como os outros vivem e se pretendemos “desnaturalizar” a forma como nós mesmos vivemos. Esta é uma palavra que você vai ouvir muito neste curso, porque “desnaturalizar” o mundo social é um dos objetivos e uma das consequências de se estudar Ciências Sociais. Ao entrar neste mundo, nós tendemos a perceber que a nossa forma de ser
é apenas mais uma forma de ser. Ou seja, os hábitos e costumes humanos não estão inscritos em qualquer natureza, não são universais, mas variam conforme esta palavra curta, mas cheia de significado: a cultura.
Para fixar o que acabamos de ver, vamos conhecer dois conceitos que são centrais para o estudo da cultura nas Ciências Sociais: Etnocentrismo e Relativismo Cultural.
Etnocentrismo:
"Etnocentrismo é uma visão do mundo no qual tomamos nosso próprio grupo como centro de tudo, e os demais grupos são pensados e sentidos pelos nossos próprios valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No plano intelectual pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc” (Rocha, 2006: p.7).
"O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e natural. Tal tendência, denominada de etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais” (Laraia, 1986: p.75).
Relativismo Cultural:
Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando. Quando o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta, mas no contexto do que acontece: estamos relativizando. Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos: estamos relativizando. Enfim, relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformação. Relativizar é não transformara diferença em hierarquia, em superiores ou inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença. (Rocha, 2006: p.20)
* Este material é uma adaptação dos Módulos produzidos pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro intitulado “Ciências Humanas e suas tecnologias” de autoria da CECIERJ

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